Diana Niepce

dancer | choreographer | writer

 

Quando eu era pequena, tinha uma perna mais curta do que a outra. Usei uns ferros que posicionavam as pernas em rotação externa. A mãe recorda-se que eu chorava muito. Quando me soltava as pernas eu ficava feliz, sentia-me uma contorcionista.

Passados dois anos libertei-me dos ferros. Fui para o ballet para fortalecer os músculos. Eu adorava o ballet. Durante o inverno ia para a escola de sapatilhas de ballet e no verão vestia um tutu azul bebé e dançava no quintal da minha avó.

Queria ser bailarina, mas diziam-me que não. Era impossível para mim andar em pontas, tinha um corpo torto que não me entendia. Mas eu acreditava. Era a primeira a chegar ao estúdio e a última a sair. Passados dois anos já conseguia em pontas. A dança era a minha vida.

Um dia apaixonei-me pelo trapézio. Ultrapassava os limites físicos, os limites da gravidade.
O trapézio fez-me voar e foi também o trapézio o que um dia me fez cair. Eu estava a fazer a sequência: cambalhota, queda de gancho, passar os pés pela corda. Caí com o pescoço no colchão. Foi como se um botão desligasse o meu corpo. Eu flutuava. Estava em pânico. Não sentia o corpo. Saí de mim. Lutava contra o desmaio. Resultado: Fractura/luxação C5/C6 com compressão da C4 à C7.

Acordei tetraplégica no hospital, entubada e amarrada, com o meu namorado a dizer o abecedário e eu a piscar o olho na letra que eu queria dizer.

O meu corpo, que tudo sabia, não era mais o meu corpo. Com trinta anos não era mais a bailarina, era apenas um corpo que eu não entendia e que ele não me entendia. Não conseguia beber água sem alguém segurar no copo. Não conseguia estar de pé. Não conseguia mexer as pernas. As minhas mãos não eram as minhas mãos. Na fisioterapia lutava contra aquele corpo, lutava por mais um milímetro de movimento. Eu era apenas um corpo velho e triste.

Mas nesta minha obsessão pelo corpo, encontrei um novo corpo, um corpo estranho, que não tinha outra solução se não descobri-lo. E nesta relação de amor e ódio com o meu corpo, começou o jogo.

Eu não queria mais um corpo comandado por uma norma fascista, igual a todos os outros. Eu apaixonei-me pelo meu corpo quando o meu corpo me deixou de entender.

 

When I was little, I had a shorter leg then the other. Are used some iron clamps that would position my legs in external rotation (en dehors). My mother remembers that I used to cry a lot. When she released my legs I was happy and I felt like a contortionist.

After two years I was free of the clamps. I took ballet classes to strengthen the leg muscles. I loved ballet. In the winter I went to school in ballet shoes and in the summer I wore a baby blue tutu and danced in my grandma‘s yard.

I wanted to be a dancer, but everyone told me no. It was impossible for me to be in point shoes, had a crooked body that didn’t understand me. But I believed. I was the first to get to the studio and the last to leave. After two years I was already able to be in point shoes. Dance was my life.

One day I fell in love with the trapeze. I surpassed the physical limits, the limits of gravity.The trapeze made me fly and it was also the trapeze that one day, made me fall.I was doing the following: somersault, hook fall, footing the rope. I fell with my neck on the mattress. It was like a button turned off my body. I floated. I was in a panic. I couldn’t feel my body. I got out of me. I fought not to fainting. Result: C5/C6 fracture/dislocation with compression from C4 to C7.

I woke up quadriplegic in the hospital, intubated and tied up, with my boyfriend saying the alphabet and me blinking at the letter I meant.

My all-knowing body was no longer my body. At thirty years old I was no longer the dancer, just a body I didn’t understand and it didn’t understand me. I couldn’t drink water without someone holding the glass. I could not stand. I couldn’t move my legs. My hands were not my hands. In physiotherapy I fought against that body, fought for another millimeter of movement. I was just an old and sad body.

But in my obsession with the body, I found a new body, an odd/strange/weird/peculiar/eery body, which I had no other solution but to discover it. And in this love-hate relationship with my body, the game began.

I no longer wanted a body ran by a fascist norm just like everyone else. I fell in love with my body when it stopped understanding me